É fácil perceber que, conforme ganham novas gerações nas costas, franquias clássicas tornam-se cada vez mais difíceis de gerenciar. De um lado, há todo o legado de anos ou décadas que deve ser respeitado — quer dizer, a série precisa manter as suas raízes, de forma que não vire apenas uma máquina caça-níqueis concebida para explorar à exaustão uma marca conhecida.
Por outro, uma fórmula simplesmente datada seria capaz de, no máximo, arrancar um sorriso saudosista de um fã de longa data. De forma que inovar se mantém sempre como uma necessidade. De fato, Silent Hill parece mesmo um caso típico desse “fio de navalha”, cujo mais recente “equilibrista”, por assim dizer, é o controverso Downpour.
Dessa vez, Silent Hill se tornou o inferno particular do presidiário Murphy Pendleton, um personagem tão ambíguo quanto a trama e as novas paisagens da cidade. Murphy é um interno do presídio Ryall State Prison, embora o motivo para o encarceramento demore bastante tempo para aparecer.
Entretanto, enquanto a temática se mantém razoavelmente idêntica, o mesmo não se pode dizer do andamento geral do jogo. Embora Silent Hill ainda mantenha em Downpour parte da sua atmosfera original, uma ação toda orientada para combates e resolução de puzzles acabou por abalar um pouco a impressão forte que a cidade fantasma causava em títulos anteriores.
No controle de Pendleton, você passará grande parte do tempo lutando não contra abominações, mas contra mecânicas de jogo falhas, e quase sempre no mais absoluto silêncio.
*Aspectos Positivos:
Design criativo
Embora apresente algumas escorregadas técnicas, a Silent Hill apresentada em Downpour, de fato, não deve nada para as suas versões apresentadas em títulos anteriores. Há novamente uma profusão de locais abandonados, com ferrugem e sujeira se acumulando em cada recesso, o que torna óbvio o empenho da Vatra Games na criação de um ambiente único.
Mas a Silent Hill de Downpour também é particularmente bem sucedida na hora de quebrar a monotonia. Em vez de virar um repositório de localidades clássicas, a equipe de design resolveu alçar novos voos, trazendo diferentes tipos de paisagens, assim como interiores que normalmente não apareceriam em títulos da série.
Impossível também deixar de mencionar o “outro mundo” — a clássica transformação que, desde sempre, torna Silent Hill em um lugar ainda menos hospitaleiro. Assim como fez em Silent Hill: Shattered Memories, a Konami resolveu novamente abrir mão da mutação estilo “sadomasoquismo” — com fogo, engrenagens rangendo, sangue e gritos desesperados — por uma temática distinta.
Dessa forma, quando as temíveis transformações ocorrem, Silent Hill é inundada. Mas de uma forma bastante singular. Logo no início, por exemplo, Murphy se vê perseguido por uma “qualquer-coisa” capaz de liquefazer os objetos (e pessoas) que toca.
E é nesse momento que surge outra similaridade em relação a Shattered Memories. Assim como no título para PSP e Wii, as transições para a “outra cara” de Silent Hill farão você correr, e muito. Praticamente não há o que pensar, nem há muito para coletar. O negócio é simplesmente correr o mais rápido possível.
Missões paralelas
Não, Downpour não chega nem perto de ser um jogo de mundo aberto. Entretanto, é impossível deixar de reconhecer mais essa tentativa da Vatra Games de trazer novos ares para a franquia. As missões secundárias aqui presentes além de trazer novos objetivos para estender a trama, ainda ajudam a perceber que realmente, um dia, houve vida em Silent Hill.
*Aspectos Negativos:
Silent Hill sempre trouxe cenas de combate. Quer dizer, à exceção do pseudo-remake Shattered Memories, sempre foi necessário encarar abominações através das ruas desertas da cidade. Mas havia um ponto central: os combates eram simplesmente coadjuvantes. Bem, Downpour traz as cenas de ação para primeiro plano, o que, invariavelmente, acaba por trazer à tona uma série de falhas e equívocos.
Em Downpour os inimigos vão atacá-lo em grupos, e haverá inúmeras armas em potencial — desde pistolas a ripas e frigideiras. O problema? Além de não funcionar adequadamente, as cenas de ação ainda acabam por comprometer a atmosfera do jogo.
E a Neblina?
Parece pouca coisa, mas isto é certamente um dos detalhes que logo saltam à vista: a neblina. Uma das marcas registradas mais típicas de SH se apresenta em Downpour de uma maneira um tanto estranha. Além de ser simplesmente excluída sem prévio aviso às vezes, o recurso ainda pode falhar terrivelmente, o que acaba por quebrar parte do encanto da atmosfera do jogo. Acrescente-se a isso, ainda, várias quedas de fps (quadros por segundo), e o que se tem é um conjunto de escolhas equivocadas.
*Vale a Pena Jogar?
Silent Hill é o tipo de franquia que, seja lá o que regurgite, sempre será levada a sério por uma devotada legião de fãs. Afinal, há muito tempo que a série tem sido questionada em relação aos rumos tomados, o que nunca a impediu de seguir caminhando, naturalmente.
Mas Silent Hill: Downpour representa um ponto de tensão considerável. Embora exista quem reconheça no projeto da Vatra Games um “retorno às origens”, fato é que muitas escolhas aqui acabam novamente por afastar propostas mais abrangentes — digamos, para além do clássico séquito da cidade fantasma.
São mecânicas de batalha defeituosas, falhas de ambientação e mesmo algumas escolhas para o andamento da trama que podem fazer mesmo o fã mais purista esboçar um sorriso amarelo. Por outro lado, justiça seja feita: são exatamente esses pontos que tentam trazer Silent Hill para novos ares.
Enfim, Downpour repousa em algum lugar entre a inovação completa e o respeito às origens. Contudo, conseguir se decidir. De qualquer forma, é Silent Hill, certo? Talvez a cidade não valha mais todo um período de férias. Mas um fim de semana no “Poço do Diabo” ainda pode ser interessante.
bY:S.M 4EVER